23 de fevereiro de 2024 a 21 de março de 2024

GEOPOEMA

Al. Gabriel Monteiro da Silva, 1364, São Paulo – SP

“Eu estou apaixonado
Por uma menina, terra
Signo de elemento terra
Do mar se diz: Terra à vista
Terra para o pé, firmeza
Terra para a mão, carícia
Outros astros lhe são guia”

Terra, de Caetano Veloso

“Escrever continuadamente com o traço das formas e volumes que se
anunciam é o exercício norteador que define a materialidade da obra de
Kater: aquilo que é composto para a captura e apreciação do olhar e, por
consequência, o despertar de tantos outros sentidos coadunados. É algo
análogo à própria sinestesia lírica de Caetano Veloso, proporcionada pela
canção “Terra”. Há em seus versos uma descrição encantada de quem
observa a própria Terra ao longe, por meio do recurso fotográfico, quase
que como um astronauta em seu arrebatamento ao se deparar com a
forma esférica do planeta e suas cores. Há, portanto, uma obsessão por
certa descoberta: a visão das imagens sublimes do planeta Terra.
Trata-se, assim, de uma forma possível de apaixonamento.
Gosto de imaginar que Kater passa por esse mesmo tipo de
arrebatamento, uma forma de paixão por certas geometrias que podem
estar em sonho ou nas vistas da natureza ou da cidade. Assim como
Caetano, que canta um deslumbre e o descreve, a artista traduz
plasticamente um sentimento parecido com as curvas estruturadas e as
formas equilibradas que constrói, claro que por meio de uma situação
plena de equilíbrio sob a firmeza da terra e o horizonte à vista.
Entretanto, tomemos cuidado! As obras que se apresentam no horizonte
limiar expositivo não são espelhamentos ilustrativos do que o olho da
artista capta, mas um raro trabalho de abstração em que certas
lembranças subconscientes vão sendo interpostas nas camadas que
definem obra por obra.
As geometrias compositivas sinuosas nos fazem pensar nas contínuas
paisagens que nossos horizontes carregam. Isso posto, posso imaginar
miradas diversas a partir das obras da artista: um jogo de nuvens e sua
dança com a luz do sol; o território entre e o campo e a cidade, que se
descortina quando sobrevoamos uma região; a vista do litoral e suas
várias camadas até as serras ao fundo, quando nos viramos para trás em
uma embarcação; o simples olhar a partir de uma janela; um corpo
adormecido, despido e deitado; uma sombra construída na parede; uma
imagem gerada por inteligência artificial que se impõe como descanso de
tela em nossos computadores; entre tantas outras. Poderia seguir
narrando imagens, em um jogo cíclico e infinito de repertório que pode
emergir na observação fantasiosa de todas as obras.
(…)
A mostra Geopoema, como a artista tão bem a nomeou, é um
experimento de natureza plástica que nos põe a perceber a paisagem
como construções poéticas entre o sonho e o real, o delírio e a
constatação. Sem qualquer romantização, é essa grande partitura gráfica
que melhor ilustra a escuta poética da artista, desde o trabalho mais
antigo em exposição, Curva de contágio, até as quase bandeiras e suas
geometrias centralizadas. Todas essas peles que se insinuam e se
projetam no espaço desfilam pelo horizonte expositivo envolvendo e
abraçando os ambientes das salas expositivas. Em última instância, é um
desejo de abarcamento da artista que se manifesta, colocando sua
produção agora em um outro patamar no qual todos os trabalhos
parecem exercer uma relação de interdependência: um movimento
rítmico único dos sons captados pela escuta poética da artista que é, ao
mesmo tempo, uma geografia poética própria de seu estar no mundo.”

Diego Matos

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