15 de outubro de 2021 a 15 de novembro de 2021

Linha de Chamada – Edith Derdyk

Galeria ARTEFORMATTO - Al. Gabriel Monteiro da Silva, 1364

Edith Derdyk é uma artista radical. Não se contenta em ficar na superfície das coisas. Está permanentemente experimentando, dando continuidade a uma pesquisa incansável acerca do desenho – seu tema e sua linguagem por excelência –, tentando entendê-lo não como mero instrumento de representação, mas como forma de estar no mundo. “Desenho não é só coisa de lápis e papel”, repete ela, parafraseando Mário de Andrade na tentativa de explicar seu combate permanente contra uma visão cartesiana, instrumental e reducionista do meio.

Em “Linha de Chamada”, pesquisa que nasceu da vontade de aproveitar o momento de paralisia da pandemia para repensar modelos e paradigmas, Edith parte de uma base muito específica. Elege como ponto de partida a Geometria Descritiva ou Mongeana, técnica desenvolvida pelo matemático francês Gaspard Monge (1746 – 1818). Originalmente destinada à engenharia militar, este método-base do desenho técnico, que permite representar esquematicamente máquinas, instrumentos, objetos em representações bidimensionais, é um agente fundamental da revolução industrial, tornando possível a repetição fiel e exata de modelos objetivos. Visualmente, remete à estética de movimentos como o construtivismo russo ou o futurismo italiano, marcados por um forte grafismo e intimamente vinculados à uma ideia otimista de progresso. E, na reconfiguração formal e poética de Edith, torna-se um material ao mesmo tempo físico e simbólico.

O que eram originalmente simples ilustrações de livros didáticos da década de 1950 recolhidos pela artista em sebos, transformam-se em ponto de partida para um processo de improvisação semelhante àquele desenvolvido por um DJ. São recombinados, condensados, desconstruídos, sampleados, gerando trabalhos de diferentes linguagens e intensidades. Alguns deles têm um caráter mais projetivo, são elaborados de forma mais calculada e vagarosa, no silêncio do ateliê, como a série Alfabeto da Reta, nas quais lida com questões como espelhamento e simetria.

Ou o conjunto batizado de Épuras (formado por desenhos impressos e trabalhados em diferentes tipos de papel, que configuram uma espécie de arquivo de experimentações e serão reunidos num livro de artista, linguagem tantas vezes e tão bem explorada por ela. Outras obras trazem à tona uma forte pulsão construtiva, uma clara intenção de reconfiguração performática do espaço. É o caso de Projectante, instalação que a artista considera como uma espécie de polo gerador de toda a exposição.

É interessante notar que, apesar dos diferentes formatos e suportes, os trabalhos reunidos na mostra atual compartilham não apenas o anseio por questionar uma visão reducionista do desenho, como derivam de uma poética extremamente coerente, que vem sendo pouco a pouco construída por Edith, num longo processo iniciado ainda nos anos 1980. Neles estão evidentes as recorrências, que ela chama de “mitologias pessoais” e que constituem o chão no qual trabalha. A linha preta; o desenho que passa do plano para o espaço, numa clara vocação arquitetônica; o movimento inquieto e repetitivo do traço; um certo caráter de improviso são alguns desses elementos que compõem a gramática da artista.

Seu leque de procedimentos e gestos é enxuto, seco, mas seu leque de interesses é vasto. Edith parte de símbolos concretos como a Bíblia, ou de pequenos gestos da natureza como o vai-e-vem das formigas ou a sensibilidade construtiva das aranhas, para investigar estruturas fundamentais da ação humana. Associa poesia, religião, filosofia e, procura, incansavelmente encontrar o que está na base dos acontecimentos, mobiliza procedimentos artísticos e poéticos que permitem ao mesmo tempo questionar esse modelo unívoco de crescimento através da produção em série e propor uma reflexão acerca dos limites desse modelo vigente que, paradoxalmente, combina razão e insanidade.

Não se trata, de forma alguma, de uma rejeição à ciência ou a herança da modernidade, mas de uma necessidade premente de olhar para as nossas origens, voltar ao germe dessa ideia de desenho cartesiano, que condensaria em si essa ideia de progresso, de evolução pelo consumo e produção incessante, que nos tempos atuais dá claros sinais de esgotamento.

 

Maria Hirszman

SP, agosto de 2021

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