1 de maio de 2024 a 31 de maio de 2024

Membranas

Al. Gabriel Monteiro da Silva, 1364

Membranas

O trabalho de Julia Angulo surge de uma inquietação. Talvez isso seja quase
sempre verdade quando falamos de produção artística, mas, em seu caso,
essa inquietação é também física. Seu corpo não para, sua mente tampouco
e, no processo acelerado da dislexia, sua memória por vezes não
acompanha, deixando de criar registros de fatos e histórias que aos poucos
se esvaem. Mas, criada dentro da tradição judaica em que o esquecimento
significa fim, Julia encontrou uma maneira de guardar, se não na mente, no
corpo, as memórias.

Seguindo o ofício familiar, ela trabalha o tecido. Pele com pele, no encontro
de membranas, ela trama esse tecido que é em si o lugar de disputa entre
subjetividade e cultura, criação e tradição. E seu trabalho vive bem nesse
entre.

Em tempos em que o toque insiste em ser violento, Julia recupera a sutileza
das mãos. Foi no toque sutil da Calatonia – técnica de trabalho corporal que
consiste em toques suaves em certos pontos do corpo – que ela pôde
acalmar a mente. É esse mesmo toque que ela agora transfere ao tecido,
emaranhado, porém, na explosão de cores de seu fluxo de pensamento. Na
falta de palavras, ela as empresta de autores que lhe dizem de si e que ela
entremeia em seus trabalhos: Sandor, Neumann, Jung, entre outros, todos
eles retirados do livro Integração Psicofísica – O Trabalho Corporal e a
Psicologia de C. G. Jung de Rosa Maria Farah.

Na primeira sala, que recebe a quem entra, há uma profusão de estímulos e
camadas que, se por um lado surgem de processos mentais que em primeiro
momento Julia nomeia como caóticos, o ego toma conta de reorganizar a
experiência subjetiva e colocar cada coisa em seu lugar. Assim, ao entrar, os
sentidos são dominados por cores vibrantes e sobreposição de materiais,
até que a experiência é contida pela disposição das obras que é
cuidadosamente pensada por Julia e suas passagens nas formações de
arquitetura e design.

Já a segunda sala é um convite: a saturação é rebaixada para que o sentido
implicado deixe de ser a visão e passe a ser o tato, convidando a uma
experiência sensorial que é corpo com corpo, pele com pele. Aqui, podemos
satisfazer nosso ímpeto de encostar nas coisas, sentir sua textura, nos
demorar e, com sorte, começar a criar memórias.

Catalina Bergues

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